15. O Bosque

 

O Bosque onde crescem lírios

As rosas florescem no jardim. É primavera no coração dos que amam. Chega o momento de sentir o perfume das flores, apreciar sua beleza com os olhos abertos para contemplar. A Igreja, a sociedade e cada um de nós em particular, precisamos aprender a perceber, sentir e navegar nos misteriosos Bosques de nossa espiritualidade. Mas isso só é possível, se tivermos vocação para navegantes. Urge uma espiritualidade vocacional que perceba a maravilhosa bondade de Deus em nossa vida. 


O Deus da vida deixa-nos livres para escolhermos os jardins que desejamos apreciar, no bosque de nossa vida. Há quem escolha observar os espinhos das rosas. Outros, porém, pousam seu olhar sobre a beleza superficial das flores. Existem pessoas que, com o coração ávido e a mente aberta, dispõem-se à percepção minuciosa das belezas dos jardins. Usam mais a cabeça que o coração. Na solidão dos recantos, em direção do bosque, existem lírios que vêm o jardim como sua casa. Sentem-se parte dele. Não estão à parte, contemplando, mas formam um só corpo, um só espírito. Gastam o bosque de suas vidas na atividade contemplativa. Vêem o essencial, invisível aos olhos. Navegam em mares sem água. Fazem o deserto florescer.


 Os lírios são vocacionados à felicidade. Sua solidão não provoca distância. Ao contrário: quanto mais estão sós, mais sentem a presença de Alguém. Sabem que as outras rosas que estão no jardim são imagens de uma outra Rosa. Aquela que deu origem e dá sentido às suas vidas. 


Há um ditado oriental que diz que o tolo olha o dedo que aponta para a lua. Em nossa metáfora espiritual, poderíamos dizer que existem rosas inexperientes que olham o jardim esquecendo-se de que são partes de um grande Bosque. Os lírios solitários são bonitos e felizes. Na vida humana, dificilmente alguém é bonito e feliz ao mesmo tempo. Diferentemente das flores, nossa beleza é passível a juízos de valores. Possui medida. É por isso que o homem e a mulher fazem comparação. Diferenciam uma coisa da outra: o belo do feio; o justo do injusto; a bondade da maldade... Há homens e mulheres que são lírios solitários e felizes. Sua vida espiritual os faz peregrinos de Deus. Eternos navegantes de si mesmos. Aventureiros no mar seco da vida. Têm uma espiritualidade vocacional transcendente. Sustentados por três veredas, presentes no mesmo bosque: o sentimento de pertença ao jardim, o cultivo e a admiração de novas rosas, e o desejo de aprimorar-se.


 Assim seria se nós, vocacionados à vida, à felicidade, trilhássemos essas veredas: nos amaríamos mais, novos jovens viriam ao nosso encontro admirados com nosso cheiro de lírio dotado de beleza e com nosso árduo trabalho para manter viva a vida do Bosque. Nos pareceríamos mais com Deus. Essas três veredas resumem a peregrinação dos grandes santos e místicos da tradição Cristã. Que queria santo Antão ao se refugiar no deserto senão buscar encontrar-se consigo, com Deus e sentir-se pertencente à misteriosa aventura humana? Que quereria santa Tereza de Ávila e são João da Cruz ao falarem dos graus de la oración ou de la Divinia Uinión com Dios? Não quisera, cada um eles, apresentar um caminho para experimentar Deus, sendo eles os primeiros a caminharem sobre trilhas de suas sugestões? Qual a razão de Aníbal Maria deixar as comodidades de sua família rica ou de seus dotes poéticos e literários para ir morar junto aos pobres de uma favela? Não seria um ato solitário, de um lírio que, pertencendo ao bosque, aprecia as rosas e deseja atraí-las àquela Rosa que lhes cedeu imagem e semelhança? 


Se pudéssemos falar de uma espiritualidade vocacional, começaríamos nos fazendo lírios. Uma espécie entre as rosas, presentes no Bosque. Flor que peregrina, no mundo, buscando um sentido para a Vida. Andantes que se sentem seduzidos pelas trilhas que levam a Deus. Não seria por esse motivo que ingressamos em congregações para nos aproximarmos intimamente do Pai através do Filho, na presença do Espírito? Congregações e institutos são caminhos. E esses caminhos também devem-nos conduzir ao Bosque, onde está plantada a Rosa que dá origem às flores, inclusive aos lírios. Mas em todo caminho existem pequenas trilhas. São os métodos e exercícios espirituais que solidificam nossa relação com Deus. Aliás, solidifica a espiritualidade em sua totalidade. Ainda estamos no outono. Mas há muito tempo florescem lírios no Bosque da Igreja. E para o florescimento, ao contrário do que possa parecer, não existe uma estação precisa. O Bosque plantado pela Trindade não exige estações para o surgimento de rosas. Talvez seja por isso que a espiritualidade dos nossos lírios nunca deixou de existir. Mesmo quando a primavera está distante.